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Úlceras Venosas (Varicosas)

  • Foto do escritor: Dr AndrĂ© Bertocco
    Dr André Bertocco
  • 16 de fev. de 2022
  • 5 min de leitura

Introdução


InsuficiĂȘncia venosa crĂŽnica (IVC) pode ser definida como o conjunto de manifestaçÔes clĂ­nicas causadas pela anormalidade (refluxo, obstrução ou ambos) do sistema venoso perifĂ©rico (superficial, profundo ou ambos), geralmente acometendo os membros inferiores. No seu estĂĄgio clĂ­nico mais grave, a IVC apresenta a Ășlcera venosa como caracterĂ­stica principal. Neste episĂłdio abordaremos os aspectos mais importantes dessa patologia de prevalĂȘncia elevada na população mundial.


O que sĂŁo Ășlceras venosas?


SĂŁo as mais frequentes entre todas as Ășlceras de perna, sendo resultantes da hipertensĂŁo venosa crĂŽnica de longa duração. Correspondem Ă  classe clĂ­nica CEAP6 (Classificação mĂ©dica internacional da doença venosa crĂŽnica, muito utilizada na pratica mĂ©dica cotidiana pelo cirurgiĂŁo vascular para indicar a melhor opção de tratamento), sendo o grau mĂĄximo de acometimento na doença venosa crĂŽnica.

Acreditava-se que eram decorrentes somente de alteraçÔes no sistema venoso profundo, porém sabe-se que as alteraçÔes tróficas podem decorrer do comprometimento isolado do sistema venoso superficial ou em conjunto com o profundo e/ou perfurantes.


Como Ă© feito o diagnĂłstico?


O diagnĂłstico Ă© basicamente clĂ­nico, com histĂłria detalhada e exame fĂ­sico, podendo tambĂ©m ser auxiliado pela realização de ecocolor – Doppler venoso o qual tambĂ©m ajudarĂĄ no planejamento terapĂȘutico. As Ășlceras venosas tipicamente ocorrem na face medial inferior da perna, especialmente sobre os malĂ©olos. Apresentam borda irregular circundada por uma base exsudativa, frequentemente recobertas por uma camada de tecido fibrinoso. A presença de varizes de maior calibre, a ausĂȘncia de dor ou sua pouca intensidade, a localização prĂłxima ao malĂ©olo medial sĂŁo achados frequentes nas Ășlceras devido Ă  hipertensĂŁo venosa.

Existem fatores que geram maior risco para ter uma Ășlcera venosa?

Os fatores de risco para sua ocorrĂȘncia incluem idade avançada (acima de 65 anos), sexo feminino (2:1), histĂłria familiar de Ășlcera venosa, raça branca, histĂłria de trombose venosa profunda ou flebite (inflamação da veia com formação de trombo, um coagulo, no seu interior), lesĂŁo anterior na perna (67% tiveram recidiva da ulcera), gestação, edema crĂŽnico das pernas, estilo de vida sedentĂĄrio, permanĂȘncia em posição ortostĂĄtica por longos perĂ­odos e repouso prolongado.


Qual tratamento para uma Ășlcera venosa?


O tratamento da Ășlcera venosa deve abrangir basicamente: cuidados e limpeza da Ășlcera, controle dos fatores de risco para as doenças de base e, principalmente, tratamento da hipertensĂŁo venosa crĂŽnica. A realização de repouso, com elevação dos membros inferiores, pelo menos, trĂȘs a quatro vezes ao dia por 30 minutos, e compressĂŁo inelĂĄstica com ataduras ou compressĂŁo elĂĄstica com meias/ faixas, contribuem na cicatrização das Ășlceras, uma vez que diminuem a pressĂŁo venosa de repouso nos membros inferiores; deve-se recomendar a realização de atividade fĂ­sica com deambulação, ou seja, caminhadas regulares programadas conforme orientação mĂ©dica e exercĂ­cios de flexĂŁo dos tornozelos, para melhorar a eficĂĄcia da contração das panturrilhas, melhorando o retorno venoso. VĂĄrios estudos clĂ­nicos concluĂ­ram que a terapia de compressĂŁo, em comparação com nenhuma compressĂŁo, promove a cicatrização de Ășlceras venosas nas pernas e diminui o risco de recorrĂȘncia, alĂ©m de ser similar Ă  intervenção cirĂșrgica.

As pressĂ”es de compressĂŁo recomendadas para o tratamento de Ășlceras venosas de perna com varizes, sĂ­ndrome pĂłs-trombĂłtica ou linfedema variam entre 30 e 40mmHg. Em pacientes com insuficiĂȘncia arterial perifĂ©rica associada um ITB <0,5, Ă© contraindicado o uso da compressĂŁo. Desbridamentos cirĂșrgicos (retirada cirĂșrgica de tecidos mortos) podem ser necessĂĄrios a depender da presença de fibrose e tecidos desvitalizados, ou seja, sem vida, considerando sempre a indicação do procedimento por um cirurgiĂŁo vascular. Curativos autolĂ­ticos (que promovem uma limpeza da ferida por “destruir” as cĂ©lulas mortas), agentes enzimĂĄticos (que fazem reaçÔes quĂ­micas para limpeza da ferida) e pomadas cicatrizantes tambĂ©m podem ser considerados, pois diminuem o processo inflamatĂłrio e o inchaço do ferimento, estimulam a formação da pele, alĂ©m de exercerem ação antissĂ©ptica e antimicrobiana. Curativos que protejam a ferida e mantenham umidade adequada alĂ©m de proteger a Ășlcera de ferimentos adicionais devem ser utilizados. Em geral, as feridas secas devem ser tratadas com curativos que promovam a umidade, enquanto que as feridas exsudativas (que produzem muita secreção) devem ser manejadas com curativos absorventes.

Procedimentos ambulatoriais, como escleroterapia (secar o vaso,tambĂ©m conhecida como aplicação) ou ablação venosa (procedimento no qual usa-se a temperatura elevada para secar a veia com o uso de laser ou radiofrequĂȘncia, sĂŁo recomendados, pois parecem reduzir a recorrĂȘncia de Ășlceras venosas e podem facilitar sua cicatrização. Apesar da falta de dados de estudos randomizados e controlados, o enxerto autĂłlogo (um “pedaço” da prĂłpria pele do paciente) Ă© frequentemente usado para Ășlceras crĂŽnicas nĂŁo infectadas e crĂŽnicas das extremidades inferiores que nĂŁo conseguem cicatrizar-se, especialmente Ășlceras venosas nas pernas, com uma taxa de sucesso de atĂ© 90% aos 5 anos.


Quais as complicaçÔes de uma Ășlcera venosa?


Uma das principais complicaçÔes das Ășlceras de membros inferiores sĂŁo as infecçÔes secundĂĄrias, cujo reconhecimento pode ser difĂ­cil, mas Ă© essencial. A saĂ­da de secreção purulenta Ă© diagnĂłstica de infecção. Sinais e sintomas de infecção localizada incluem calor local, eritema (vermelhidĂŁo), hipersensibilidade ou dor e edema; a presença de dois desses sintomas sugere infecção. É comum a presença de febre, calafrios, leucocitose (elevação das cĂ©lulas de defesa do organismo constatada no exame de sangue – hemograma), vermelhidĂŁo da pele e linfangite (inflamação/ infecção do sistema linfĂĄtico, sistema responsĂĄvel pela drenagem de lĂ­quidos do corpo), alĂ©m de outros sinais de infecção sistĂȘmica associada.


Quais os medicamentos usados?


Apesar de nĂŁo apresentarem evidĂȘncias consistentes na literatura, o uso de medicaçÔes venoativas/ flebotĂŽnicas fazem parte do arsenal terapĂȘutico das Ășlceras uma vez que ajudam no controle do edema e principalmente nos sintomas da hipertensĂŁo venosa cĂŽnica. As medicaçÔes flebotĂŽnicas sĂŁo utilizadas hĂĄ muitas dĂ©cadas, mas nĂŁo de forma uniforme em todos os paĂ­ses. Apesar da grande quantidade de compostos quĂ­micos a origem de muitas Ă© comum, podendo ser divididas em naturais e sintĂ©ticas (dobesilato de cĂĄlcio). A ação destas drogas inclui a diminuição da permeabilidade capilar, efeito linfocinĂ©tico, menor apoptose (morte celular) das cĂ©lulas endoteliais e uma ação anti-inflamatĂłria por diminuição da adesividade de cĂ©lulas de defesa. Existe uma enorme variedade de curativos e tĂ©cnicas utilizados para o tratamento local da Ășlcera venosa. Estudos de melhor qualidade e em grandes populaçÔes demonstram, de forma geral, que todos sĂŁo boas alternativas, sendo que a sistematização e avaliação constante dos curativos sĂŁo melhores que curativos aleatĂłrios e nĂŁo supervisionados. O uso de pomadas nos curativos deve objetivar a limpeza e manutenção da umidade das Ășlceras. Temos disponĂ­veis basicamente podadas desbridantes e cicatrizantes, tendo sua indicação de uso de acordo com a evolução da lesĂŁo.


A Ășlcera pode voltar? O que fazer?


Considerando a insuficiĂȘncia venosa crĂŽnica como uma patologia de causa principalmente hereditĂĄria, sabemos que nĂŁo hĂĄ cura e, portanto, se o tratamento e os cuidados bĂĄsicos de controle da doença nĂŁo forem tomados Ă s Ășlceras podem recidivar. Caso ocorra recidiva da Ășlcera, deve sempre investigar se nĂŁo hĂĄ outros fatores envolvidos na sua patogĂȘnese e instituir novamente o tratamento adequado o mais breve possĂ­vel.

ConclusĂŁo


Por se tratarem de lesĂ”es muito frequentes na pratica clĂ­nica vascular, as Ășlceras venosas devem ter seu tratamento individualizado ao paciente, a fim de objetivar maior adesĂŁo ao tratamento e abreviar sua cicatrização, fazendo uso, sempre que possĂ­vel, da combinação de tĂ©cnicas terapĂȘuticas para resultar na cicatrização da ferida e controle da insuficiĂȘncia venosa crĂŽnica. A dificuldade de cicatrização nĂŁo deve ser motivo de nĂŁo se investir no tratamento com individualização para cada paciente tendo por objetivo uma maior adesĂŁo e consequente maior resolutividade.


ReferĂȘncias:


1. Evaluation and Management of Lower-Extremity Ulcers, The New England Journal of Medicine, 19 de outubro de 2017.

2. Brito, C.J.; Silva, R.M. - Cirurgia Vascular: Cirurgia Endovascular, Angiologia, 3a ed., Revinter, 2014

3. Singer AJ et al. Evaluation and management of Lower-extremity ulcers. N Eng J Med 2017; 377: 1559-1567.


 
 
 
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